O indulto individual concedido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) a Daniel Silveira (PTB-RJ) é um instrumento que, em tese, livra o deputado da pena de prisão, mas não da inelegibilidade. Ou seja, Silveira continuaria impedido de se candidatar na eleição deste ano.
Também em tese, é um instrumento blindado contra ações do STF (Supremo Tribunal Federal). Isto é, os efeitos do decreto assinado por Bolsonaro nesta quinta-feira 21 de abril feriado de Tiradentes, seriam automáticos. Mas vale repetir: em tese.
Isso porque a iniciativa tomada por Bolsonaro menos de 24:00 horas depois da condenação de Silveira pelo STF contém dois elementos raríssimos ou inéditos que dificultam qualquer prognóstico sobre seu futuro.
O primeiro é o próprio uso do indulto individual, também chamado de graça, sob o regime da Constituição de 1988.
Em geral, os indultos, previstos tanto na Constituição quanto na legislação penal, são coletivos e beneficiam diversos condenados que cumpram requisitos objetivos, como tempo de prisão.
O de Bolsonaro é diferente porque se dirige a uma pessoa em particular.
Além disso, os indultos costumam ser assinados para aliviar a pena de pessoas que já estejam cumprindo suas sentenças.
O decreto que beneficia Silveira foi emitido antes mesmo do trânsito em julgado, ou seja, antes de terem se esgotado todas as chances de recurso judicial.
Para o advogado Pierpaolo Bottini, professor de direito penal da USP, a falta de precedentes sobre o tema cria uma série de dúvidas que precisarão ser respondidas nos próximos dias.
Uma das dúvidas, segundo ele, diz respeito à inelegibilidade. A outra remete à primariedade, ou seja, se o réu será reincidente caso volte a cometer crime.
Em condições normais, o indulto alivia a pena imposta ao réu, mas não seus efeitos secundários. É o que estabelece a súmula 631 do STJ (Superior Tribunal de Justiça), segundo a qual um decreto como o assinado por Bolsonaro extingue apenas os efeitos primários da condenação.
Dito de outro modo, isso significa que outras consequências da condenação continuam aplicáveis ao condenado beneficiado pelo indulto.
No caso de Silveira, o efeito primário é a condenação a 8 anos e 9 meses de prisão, começando em regime fechado. O indulto individual garante que o deputado não vai parar atrás das grades.
Os chamados efeitos secundários, porém, continuam de pé quando se considera o indulto normal. Por exemplo, em caso de cometimento de novo crime, fica configurada a reincidência. O réu também continua obrigado a reparar danos e perde bens de natureza ilícita.
Todos esses são considerados efeitos secundários da condenação. Além deles, a inelegibilidade também entra na lista das consequências que continuam aplicáveis mesmo após o indulto.
Uma possível discussão no caso de Silveira é que, como a graça constitucional foi concedida antes mesmo do trânsito em julgado, pode-se argumentar que o deputado nem chegou a ser condenado. Sendo assim, em tese, ele nem poderia sofrer os efeitos secundários da condenação.
É difícil que essa linha de raciocínio prospere no STF, mas fica lançada a casca de banana para os ministros da corte, há muito tempo alvo de ataques virulentos dos bolsonaristas.
“Com isso, Bolsonaro gera uma crise institucional brutal, porque ele claramente cria um obstáculo para o cumprimento de uma decisão que foi praticamente unânime no STF”, afirma Pierpaolo Bottini.
Outro nó que o decreto cria está na eventual perda de mandato do parlamentar. Para Eliana Neme, professora da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, o indulto pode travar a inelegibilidade pelo STF, mas não afeta o processo contra Silveira no Congresso.
“A inelegibilidade do Daniel Silveira é consequência da decisão do Supremo. Se o decreto suspende todos os efeitos da decisão, ele determina a suspensão também da inelegibilidade que foi imposta”, diz.
“Mas esse decreto não atinge eventual decisão da Câmara dos Deputados sobre a perda do mandato dele”.
O ineditismo do decreto, por outro lado, pode jogar contra o próprio indulto. De acordo com Neme, embora os pressupostos formais tenham sido cumpridos, é possível que o mecanismo seja questionado devido à intenção do presidente, que também estaria enfrentando uma decisão colegiada.
Em uma rede social, Eloísa Machado de Almeida, professora e coordenador do Supremo em Pauta FGV Direito SP, afirmou que o STF pode monitorar o indulto e anulá-lo se for inconstitucional.
Na avaliação dela, o decreto assinado por Bolsonaro fere o princípio da impessoalidade e poderia, portanto, ser derrubado pelo Supremo.