Em face do ocorrido em Brumadinho, o presente artigo ganhou nova relevância em face de “notícias” que ressuscitam o Decreto nº 8.572/2015 . Em 2015 publiquei este artigo esclarecendo que Dilma não excluiu a responsabilidade das mineradoras em caso de rompimento de barragem. Naquela ocasião, o termo “fake news” ainda não estava em voga, mas hoje percebe-se que a disseminação do ódio nas redes, já naquela época, era mera reprodução de notícias falsas. Pelos comentários abaixo, percebe-se como o viés ideológico é capaz de cegar qualquer um que prefira destilar ódio a analisar os fatos, principalmente quando se depende de conhecimento técnico ou jurídico do assunto.
Cumpre relembrar que este é um espaço jurídico, no qual se promovem discussões fundadas em aspectos legais.
Em tempos de “fake news” vai logo a resposta: O decreto NÃO excluiu a responsabilidade da mineradora. Veja as razões abaixo.
Algumas pessoas estão compartilhando posts revoltados sobre o Decreto nº 8.572/2015 nas redes sociais. Segundo tais pessoas, o mencionado decreto determina que o rompimento de barragem agora é desastre natural, excluindo responsabilidade dos envolvidos.
Ao saber disso quase não acreditei, achei absurdo que pessoas se revoltassem com tal decreto. Mas ao receber os prints das postagens com toda a polêmica envolvida, resolvi esclarecer seu real teor para evitar maiores onfusões.
A simples leitura do decreto já evitaria toda a polêmica, eis seu inteiro teor:
Decreto nº 8.572, de 13 de novembro de 2015
Altera o Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, que regulamenta o art. 20, inciso XVI, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 20, caput, inciso XVI, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990,
DECRETA:
Art. 1º O Decreto nº 5.113, de 22 de junho de 2004, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 2º…
…
Parágrafo único. Para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, considera-se também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens que ocasione movimento de massa, com danos a unidades residenciais.” (NR)
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 13 de novembro de 2015; 194º da Independência e 127º da República.
A interpretação literal do parágrafo único já demonstra que se considera também como natural o desastre decorrente do rompimento ou colapso de barragens para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036/90.
A mencionada lei dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e o art. 20 estabelece as hipóteses nas quais podem ser sacados os valores correspondentes ao FGTS. O inciso XVI, por sua vez, determina que poderá haver saque do FGTS por motivos de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural.
O “polêmico” decreto nº 8.572/2015 serve, portanto, para assegurar às vítimas de desastres decorrentes de rompimento de barragens a possibilidade de sacar o FGTS.
Esse decreto altera o decreto nº 5.113/2004 que regulamenta as hipóteses de saque de FGTS em situações de emergência ou estado de calamidade pública decorrentes de desastre natural.
Nesse decreto não consta como desastre natural o rompimento de barragens, não sendo possível o saque do FGTS pelos afetados pelo rompimento da barragem em Mariana. Assim, para viabilizar o recomeço da vida das pessoas atingidas, foi editado o decreto nº 8.036/90 que possibilita a movimentação da conta do FGTS.
Mas o rompimento de barragens vai ser considerado desastre natural mesmo que comprovada negligência?
Claro que não. O decreto serve tão somente para possibilitar às vítimas de rompimento de barragens a hipótese de saque do FGTS. Isso está expresso no próprio decreto.
Decretos servem apenas para regulamentar matérias, no caso as hipóteses de desastre natural para fins de saque do FGTS.
Não é possível que um decreto exclua a responsabilidade civil ou penal prevista em lei. Não sei de onde essa pessoa tirou isso:
Frisa-se que através de um decreto não seria possível a criação de mais uma hipótese de saque do FGTS, o que deveria ser feito através de lei que possui tramitação demorada. Assim, a solução encontrada foi a modificação do decreto regulamentador da lei, incluindo o rompimento de barragens na hipótese de desastre natural.
Em verdade, o Decreto nº 8.572/15 tornou mais ágil o procedimento para saque do FGTS dos trabalhadores afetados pelo rompimento de barragens.
Cumpre salientar que, em eventual ação de reparação de danos, os trabalhadores que sacaram os valores de FGTS para refazer a vida poderão cobrar ressarcimento dos responsáveis.